Em primeiro lugar é necessário dizer que o conceito de pobreza pode ser analisado em diferentes aspectos: econômico, social, material, espiritual, cultural etc; ainda assim, parece estranho falar de algo que a maioria das pessoas evita e até combate, talvez porque só tenham tido contato com a pobreza em sentido negativo. Tentaremos brevemente, mostrar que existe uma “Pobreza” boa e que, inclusive, deve ser buscada por nós como fonte de bens duradouros, com enormes benefícios para nossa vida humana e espiritual. Ela não é nem sinônimo de miséria, nem é a ataraxia dos filósofos.
Comecemos por acentuar e distinguir duas das formas de pobreza: a material e a espiritual. Dentro de cada uma delas, uma boa e uma ruim. Pedagogicamente, temos: uma pobreza material negativa, que desumaniza e é combatida: a pobreza como condição social padecida; uma pobreza material positiva, que liberta e eleva: a pobreza como ideal evangélico a ser cultivado; uma pobreza espiritual negativa, que é a ausência dos bens do espírito e dos verdadeiros valores humanos; uma pobreza espiritual positiva, feita de humildade e confiança em Deus, o mais belo fruto na árvore da pobreza bíblica. [1]
Feita estas distinções, é importantíssimo frisarmos que a pobreza material, ou seja, o desapego, e também a espiritual, não é destinada só aos religiosos, padres e freiras, só a ricos ou pobres, mas a todos os homens e mulheres batizados. Você é batizado? Então você é chamado a viver a pobreza como virtude evangélica. Todos podem e devem vivê-la já que ela é um “conselho” vivido e ensinado por Cristo. O Pai, na pessoa de Jesus nos indica a indispensabilidade da pobreza: “Pois conheceis a graça de Nosso Senhor Jesus Cristo, que, sendo rico, tornou-se pobre por vossa causa, para que fosseis enriquecidos por sua pobreza (II Cor, 2, 9).
A Sagrada Escritura está repleta de citações referentes a este tema. Geralmente e quase que necessariamente a pobreza material que é ser livre em relação a posses, bens materiais que ultrapassam minhas reais necessidade e da minha família, exige a pobreza espiritual, que é fazer tudo com esmero e responsabilidade, porém, tendo sempre a humildade de reconhecer que vem de Deus tudo o que tenho e sou. Essas duas formas de pobreza são a face de uma mesma moeda.
Jesus diz: “Felizes os pobres em espírito, porque deles é o Reino do Céu” (Mt 5, 3); em outra passagem bíblica encontra um homem chamado Zaqueu, que era chefe dos publicanos e rico e se oferece para ir à sua casa; Zaquel lhe dirá: “Senhor: vou dar a metade dos meus bens aos pobres, e se em alguma coisa defraudei a alguém, lho restituirei quadruplicado” (Lc 19, 2 e 8). Também os Santos nos iluminam com seus ensinamentos: Santo Agostinho: “Tens ao teu lado aquele rico; talvez tenha dinheiro, mas não avareza, enquanto tu não tens dinheiro e és avaro” (Santo Agostinho- comentário ao Salmo 51, 14). São Francisco de Assis, que descobriu na “Altíssima Pobreza” o próprio modo de Deus ser, ao mesmo tempo orientava seus irmãos: “Advirto, porém, aos frades e os exorto a não desprezar e não julgar os homens que vestem roupas finas e vistosas e servem-se de alimentos e bebidas delicadas, mas cada qual de preferência julgue e despreze a si mesmo.” [2] São Francisco foi pobre e reformou a Igreja de sua época através da pobreza, no entanto, como Yves Congar nos sugere, não pela via da crítica, mas da santidade, [3] não exigindo dos outros, mas começando por si mesmo. Santa Clara de Assis passou toda a sua vida pedindo a aprovação de viver junto com suas irmãs o “privilégio” da Pobreza.
No entanto, temos Santos que foram veementes ao falarem conta o oposto da pobreza que é a riqueza como acumulação de bens apenas em benefício próprio. Vejamos São Jerônimo que denuncia: “As riquezas são injustas porque são fruto da miséria dos outros”. São João Crisóstomo ainda: “Tu vais participar da eucaristia? Então, não humilhes teu irmão. Não desprezes o faminto… Quê? Tu fazes memória de Cristo e desprezas o pobre? Tu não ficas horrorizado? Bebeste o Sangue do Senhor e não reconheces teu irmão? Ainda que o tenhas desconhecido antes, deves reconhecê-lo nesta mesa… Tu, que recebeste o pão da vida, não faças obra de morte” (São João Crisóstomo, 344-407; Comentário a 1Coríntios 11,17-34).Não há Santo que não tenha de alguma forma experimentado a pobreza tanto material quanto espiritual.
Para nós, fica a reflexão: provavelmente, seja por tudo isso que o Senhor diz: “Felizes, vós, os pobres, vosso é o Reino de Deus.” Que pobres são estes? Como tenho vivido esse “conselho”evangélico em minha vida? Sou indiferente com Deus e as pessoas?
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[1] CANTALAMESSA, Raniero. A Pobreza. São Paulo:Edições Loyola, 2003.
[2] Regra Bulada. Fontes Franciscanas. Santo André; Editora Mensageiro de Santo Antônio, 2005, p.63.
[3] Congar, Yves. Verdadeira e falsa reforma na Igreja. Jaca Book, Milão, 1972, p. 194.